Gente de reputação, pestes e secas retalhos históricos da desigualdade social e “epidêmica” nos Sertões nordestinos
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Resumo
“Mazela”, “Cranco”, “Grenguena”, “Bobonhica”, “Febetife”, “Febre do Rato”, “Gota Serena”, “Bexiga Lixa”, “O Bute”, “Miséria” e “Desgraça”. Esses termos até hoje presentes no vocabulário e sotaques de pessoas de áreas do sertão nordestino – e usualmente utilizados como palavrões – são vocábulos cujas origens e usos remetem a uma longa história de flagelos e doenças. Este artigo é fruto de um exercício de pesquisa que tentou analisar as repercussões sociais de eventos epidêmicos ocorridos no Nordeste brasileiro, na segunda metade do século XIX e no início do século XX. Sob os auspícios do ferramental da sociologia histórica e colocando a discussão em função dos debates sobre as secas e estiagens nos sertões nordestinos, analisamos os processos sociais decorrentes da epidemia da cólera em Pernambuco, entre 1854 e 1856, da varíola no Ceará, no ano de 1877, e da febre tifóide, em obras de açudagem na Paraíba, em 1932. Devotamosatenção especial ao quadro de representações em torno das doenças, às relações de poder e aos posicionamentos sociais, num contexto de recrudescimento das desigualdades sociais. Para tanto, consultamos obras de memorialistas e documentação disponível no Arquivo Público Jordão Emerenciano (APEJE), dentre ela, os fundos contendo ofícios das Câmaras Municipais e Leis Provinciais de Pernambuco. Em seguida, realizamos a leitura analítica de livros de assentos eclesiásticos de óbitos (1855-1863) da Freguesia da Ingazeira, de relatórios dos presidentes das províncias de Pernambuco, Ceará e Paraíba, de relatórios de obras de açudagem e de periódicos que publicaram notícias sobre cada um desses períodos epidêmicos.
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